DIREITO DE IMAGEM na fotografia. Um guia básico para fotógrafos
Uma breve explicação, sem a pretensão de esgotar um tema tão complexo do direito de imagem, apenas oferecer alguma informação básica para os colegas fotógrafos, profissionais ou não.
Em meu artigo anterior discorri sobre os direitos dos fotógrafos, mas todo aquele que possui um direito também é responsável por uma obrigação. Nesse artigo observei que as obras fotográficas são um direito do autor. Mas e os personagens e objetos que as compõem? Terá o fotógrafo o direito de expô-los como bem lhe aprouver, em qualquer local ou momento? Para evitar prováveis dissabores para o profissional (ou não) da fotografia é que este artigo é redigido.
Assim como o Direto do Autor, o Direito de Imagem está também protegido por nossa Constituição Federal de 1988, que garante a proteção do direito de imagem em seu artigo 5°, nos incisos…
”V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;…
…X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; … e…
…XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;”…
Partindo dos preceitos acima compilados da Constituição Federal pode-se afirmar que: a utilização da imagem de forma indevida traz consigo o direito à indenização, se o resultado for prejudicial à honra, a reputação ou se trouxer prejuízos materiais ao detentor desse direito.
Também é possível afirmar que: a divulgação da imagem se dará, conforme os termos estabelecidos contratualmente, gerando obrigações para ambas as partes. Para utilização da imagem alheia há que se observar os termos do acordo pactuado. Atentando-se para o fato de que o uso da imagem pode ser revogado, como qualquer outra concessão de direito.
São diversas as situações em que o fotógrafo estará perante uma situação a qual poderá ensejar um conflito referente ao Direito de Imagem, vejamos alguns deles:
Direito de Imagem ao fotografar políticos e artistas
Estes poderão estar inseridos na classificação de pessoas publicas e/ou notórias, e tanto as pessoas públicas quanto as notórias podem ter sua imagem divulgada, sem necessidade de autorização, desde que a veiculação ocorra em um contexto informativo. Contudo, mesmo com caráter informativo a publicação pode gerar constrangimentos. Ou seja, caso a atividade na qual a pessoa é fotografada não tenha uma relação direta ou indireta com sua atividade artística, politica ou profissional e o momento do registro da imagem enseje algum constrangimento, haverá a possibilidade de uma reparação.
A divulgação da imagem de pessoa comum que esteja próximo à pessoa publica e/ou notória e que possa ser distinguido, poderá também ensejar uma reparação dependendo da situação.
Se a pessoa retratada é pública ou famosa, é livre a utilização de sua imagem para fins somente informativos, ou seja, não comerciais.
Também é permitida a utilização da imagem realizada com objetivo eminentemente cultural, haja vista que a informação deve prevalecer sobre o interesse particular do indivíduo. Isso tornará a utilização da imagem permitida, ainda que sem o consentimento do retratado.
Modelos publicitários
Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, especialmente depois da edição da lei de direitos autorais brasileira que cuidou da proteção à imagem da pessoa retratada “de 1982 – relator Ministro Rafael Mayer: Direito à imagem. Fotografia. Publicidade Comercial. Indenização.
“A divulgação da imagem da pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação”.
Os contratos de fotografia publicitária devem ser redigidos claramente quanto à quantidade de anúncios a serem veiculados, em que tipo de veículo ou local e por qual limite de tempo, além da dimensão em que será ampliada a imagem do fotografado.
O tema também foi abordado por Rodrigues, em artigo publicado na Revista dos Tribunais:
“A pessoa é conhecida e reconhecida mediante a imagem do próprio aspecto exterior ou imagem física.
O direito a imagem assegura ao retratado o direito de impedir reprodução ou veiculação de sua imagem, dentro de certos limites. Possuí, portanto, duplo conteúdo, um positivo e outro negativo. “O primeiro configurado pela faculdade exclusiva de o interessado difundir ou publicar sua própria imagem e o segundo, entendido como direito de impedir a obtenção ou reprodução e publicação por um terceiro.”
(RODRIGUES, Cláudia. Direito autoral e direito de imagem. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 827, p. 59-68, set. 2004).
Miséria
Tema bastante recorrente de fotógrafos brasileiros e estrangeiros é a miséria de determinado povo. Algum tempo atrás muitos de nossos colegas fotógrafos (no Brasil e exterior) ganharam prêmios (inclusive em dinheiro) com fotos de miséria sem que nada recebessem os fotografados, salvo raras exceções. A lei portanto protege a imagem desses cidadãos que merecem o respeito à sua dignidade. Por isso ao serem fotografados também haverá a necessidade de sua anuência, caso isso não seja possível por escrito, é importante que o fotógrafo tenha um colega ou assistente ao seu lado para que sirva como testemunha em um eventual processo por danos morais. No caso de o fotógrafo estar só, também poderá fazer prova a filmagem na qual a pessoa fotografada aceita ser fotografada e para qual finalidade a fotografia será utilizada, hoje em dia isso é fácil de executar, haja visto que quase toda câmera digital também é uma filmadora.
São estes direitos autônomos e passíveis de reparação independentemente de sua repercussão patrimonial – ou seja, de sofrerem dano moral. Firma-se portanto a ideia de que o princípio da dignidade da pessoa humana não visa apenas a assegurar tratamento não degradante e proteção da integridade física do ser humano, sua dignidade de imagem também deve ser protegida.
Conflitos armados, manifestações, catástrofes e acidentes
Existem fatos passíveis de divulgação independentemente de eventual violação aos direitos de personalidade ou imagem – como conflitos armados, manifestações populares, catástrofes e acidentes, que têm evidente interesse jornalístico. Quando a fotografia que expõe determinada pessoa está claramente vinculada a um momento deste tipo, de maneira geral não há que se cogitar a violação do direito à imagem. Assevera-se, contudo, que a pessoa deve figurar como acessória dentro do contexto – sem ênfase em sua individualidade.
Pessoas comuns em ambientes públicos
Os fatos que ocorrem em locais públicos ou com amplo acesso a pessoas, como um restaurante ou um saguão de hotel, são em tese amplamente noticiáveis.
Reproduzir imagens captadas em local público, ou em eventos de interesse coletivos, é viável, desde que a pessoa retratada, seja um acessório do acontecimento.
Sabe-se que, uma vez que o titular de determinada imagem autorize sua utilização, esta se torna permitida. Ocorre, contudo, que o consentimento deve ser interpretado restritivamente, uma vez que o assentimento em se deixar fotografar não inclui sua publicação; tampouco a concordância com determinada publicação não abrange outros usos. Resumindo, uma vez autorizado você poderá fotografar aquela pessoa que lhe chamou a atenção para aquela determinada foto, mas não poderá utilizá-la à vontade e para qualquer objetivo que almeje. Para isso deverá existir uma autorização específica.
O uso indevido da imagem pode gerar problemas bastante extensos. Em outubro de 2009, a Terceira Turma do STJ decidiu que a Editora Abril deveria indenizar por danos morais uma dentista que apareceu em matéria da revista Playboy. A fotografada não autorizou que uma foto sua ilustrasse a matéria “Ranking Plaboy Qualidade – As 10 melhores cidades brasileiras para a população masculina heterossexual viver, beber e transar” (Resp 1.024.276).
A matéria descrevia as cidades brasileiras e era ilustrada com fotos de mulheres tiradas em praias, boates, etc. No caso, a dentista foi fotografada em uma praia de Natal (RN), em trajes de banho. A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, ao manter a indenização em 100 salários mínimos, reconheceu que a foto seria de tamanho mínimo, que não haveria a citação de nomes e que não poria a dentista em situação vexatória. “Por outro lado, a reportagem traz expressões injuriosas. A existência de ofensa é inegável, mesmo se levado em consideração o tom jocoso da reportagem”, adicionou.
Uso comercial ou institucional de fotos no local de trabalho
O STJ já decidiu, que a simples veiculação de fotografia para divulgação, feitas no local de trabalho, não gera, por si só, o dever de indenizar, mesmo sem prévia autorização.
No caso (Resp 803.129), a Universidade do Vale do Rio dos Sinos contratou profissional em fotografia para a elaboração de panfletos e cartazes. O objetivo era divulgar o atendimento aos alunos e ao público frequentador da área esportiva. Além das instalações, as fotos mostravam o antigo técnico responsável pelo departamento no cumprimento de suas funções.
O técnico entrou com pedido de indenização pelo uso indevido de sua imagem. Ao analisar o recurso da universidade, o ministro João Otávio de Noronha entendeu que as fotos serviram apenas para a divulgação dos jogos universitários realizados no local onde o técnico trabalhava. “Nesse contexto, constato que não houve dano algum à integridade física ou moral, pois a Universidade não utilizou a imagem do técnico em situação vexatória, nem tampouco para fins econômicos. Desse modo, não há porque falar no dever de indenizar”, explicou o ministro.
De qualquer maneira é sempre bom evitar fotografar os funcionários de uma empresa em seu local de trabalho, as fotos poderão inclusive fazer prova contra o seu cliente no caso de uma futura ação trabalhista. Para essa finalidade de preferencia a modelos profissionais que poderão atuar como se funcionários fossem.
Animais e Objetos particulares – Licença de Uso da Imagem
Para poder usar uma foto que contenha um animal ou objeto que possuam um proprietário específico, tanto você quanto o seu cliente deverão firmar um contrato com o proprietário, que será o contrato para Licença de Uso de Imagem. Ou seja, o cavalo de raça que está posando para uma foto de carros deverá ter o consentimento de seu criador, lembre-se de que os animais possuem características de objetos para a Lei Civil. E isso também acontece se na sua foto aparecer qualquer objeto de autoria conhecida (como uma garrafa da Coca Cola) – o responsável pelo objeto deve dar a Licença de Uso da Imagem deste objeto.
Obras localizadas em locais públicos
A lei autoral vigente dispõe por seu art. 48, que:
…”Artigo 48- As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.”…
No entanto essa situação poderá gerar outros entendimentos contraditórios, principalmente como vem ocorrendo em parques públicos, o saudoso autoralista PLINIO CABRAL assim se expressou sobre o tema: “Não é assim. Trata-se de patrimônio público, sem dúvida. Mas um patrimônio sobre o qual existem direitos morais e materiais do autor. Pode a obra em logradouro público ser reproduzida? A lei não fala em reprodução. Fala em representação e exemplifica: por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais. Já de início temos uma conclusão: uma estátua pode ser representada, dentro daquilo que a lei indica, mas não pode ser reproduzida, ou seja: não se pode dela fazer cópias em qualquer escala, grande, pequena, ou mesmo minúscula, para adornar chaveiros ou lembranças do local, o que é muito comum. Portanto, a representação é uma coisa; a reprodução é outra. A verdade é que o direito autoral tem um objetivo claro, preciso e reconhecido internacionalmente: proteger o autor e impedir a exploração ilícita de sua obra. Ora, se a obra colocada em logradouro público não está em “domínio público”, o autor continua exercendo sobre ela seus direitos patrimoniais e morais. A obra posta permanentemente em logradouro público pode ser representada. Não pode ser reproduzida em qualquer escala, notadamente se for para fins comerciais, como quase sempre – abusivamente- acontece.” (Direito Autoral Dúvidas & Controvérsias, Harbra, 4ª. Ed., págs. 97/98).
Isto posto podemos concluir que a fotografia é permitida por lei, o que não poderá ocorrer é a cópia em qualquer escala das obras contidas no espaço publico.
Arquitetura
As leis são claras, se estamos na rua, e quisermos fotografar um prédio, temos esse direito e ponto. O que poderá ser discutido judicialmente é a questão da venda da imagem, mas não é discutível o direito de fotografar um prédio, um monumento etc.
Mas o problema é que as leis têm interpretações. Na prática, todo objeto que esteja na via publica poderá ser fotografado. Edifícios públicos podem ser fotografados internamente mas a imagem não pode ser comercializada ou ser utilizada como fundo em campanha publicitária. Já os prédios particulares precisarão de autorização caso o seu responsável venha a exigir. Para essa finalidade será necessário redigir uma autorização onde conste a intenção detalhada e sua responsabilidade e/ou de seu cliente sobre a imagem captada.
Lenda Urbana
Conta uma lenda urbana que ocorreu o seguinte fato com um fotógrafo de determinada publicação de grande circulação: “Estava o fotógrafo exercendo seu ofício em um bar muito badalado e frequentado pela elite da noite paulista, fotografava ele as instalações e seus clientes. Uma das fotos que realizou foi uma imagem de ângulo aberto que realizou do mezanino do estabelecimento, captando os frequentadores que estavam no piso inferior. Um casal de frequentadores que aparece na foto de mãos dadas não era casado civilmente entre si e sim com outros parceiros. A foto foi publicada e gerou a separação de ambos os casais, não sem antes um demorado e custoso processo judicial contencioso. Solucionada a separação, um dos envolvidos no caso do suposto adultério que culminou na separação contenciosa, entendeu que o que dera inicio a tudo fora a fotografia, e em razão disso abriu um processo de indenização por Danos Morais e Patrimoniais contra o fotógrafo”. Bem, esta é uma lenda urbana, um tanto exagerada, e que não é sabido se de fato ocorreu, e se ocorreu qual foi o desfecho para o fotógrafo. De qualquer forma é bom estarmos atentos, pois uma ação judicial, seja ela ganha ou perdida sempre irá gerar gastos e perda de tempo para ambas as partes.
Um caso real e semelhante
Um erro na publicação de coluna social também gera indenização. O entendimento é da Quarta Turma, ao condenar a empresa jornalística Tribuna do Norte ao pagamento de R$ 30 mil por ter publicado fotografia de uma mulher ao lado de seu ex-namorado com a notícia de que ela se casaria naquele dia, quando, na verdade, o homem da foto se casaria com outra mulher (Resp 1.053.534).
Para o colegiado, é evidente que o público frequentador da coluna social sabia se tratar de um engano, mas isso não a livrou de insinuações, principalmente porque o pedido de desculpas foi dirigido à família do noivo e não a ela. “De todo modo, o mal já estava feito e, quando do nada, a ação jornalística, se não foi proposital, está contaminada pela omissão e pela negligência, trazendo a obrigação de indenizar”, afirmou o ministro Fernando Gonçalves, atualmente aposentado.
Conclusão do Direito de Imagem
Apenas o ato de fotografar não traz o risco de uma ação indenizatória. Esse risco irá ocorrer caso haja a exposição ou a invasão da privacidade das pessoas ou a utilização comercial de um animal ou objeto particular. No caso de existir qualquer espécie de divulgação, tanto de natureza artística quanto de natureza comercial, a pessoa que teve sua imagem divulgada poderá requerer, judicialmente, o pagamento de utilização de imagem, exceto quando se tratar de pessoas públicas (políticos, celebridades, atletas, artistas, profissionais de destaque) que estejam em local público ou em locais particulares onde você, como fotógrafo tenha autorização para fotografar.
Nas fotos em que não seja possível identificar a pessoa, como em paisagens, e algumas fotos de praças não há com o que se preocupar.
Para evitar aborrecimentos peça autorização das pessoas para fotografá-las. Capte o momento, faça a foto e, seja gentil, ofereça enviar uma cópia daquela foto, gratuitamente para a pessoa fotografada.
Quando se tratar de menores de idade, muito cuidado. Para fotografar e exibir essas fotos você precisará de autorização dos pais ou responsáveis e é aconselhável que os mesmos estejam presentes no momento da foto.
Este artigo não tem a pretensão de exaurir o tema, nem mesmo de afirmar verdades ou certezas. O Direito é uma ciência humana, e como tal é passível de diversas interpretações e revisões.
Tal qual na Medicina, nas questões de Direito o importante é realizar corretamente a profilaxia, depois que a doença se instala não adianta nada culpar o doutor ou reclamar dos remédios amargos e de seus desagradáveis efeitos colaterais.
Fontes:
Constituição do Brasil (1988)
Arcos – Direito à imagem e dano moral: reparação por meio de indenização pecuniária
Âmbito Jurídico – A normatização do direito imagem e suas limitações
Superior Tribunal de Justiça brasileiro – Direito à imagem: um direito essencial à pessoa
Apamagis
APIJor – O direito à imagem